quarta-feira, 18 setembro, 2024
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Gripe aviária pode se tornar uma pandemia? Butantan responde

A infecção de aves silvestres e domésticas, de mamíferos e alguns felinos pela gripe aviária do subtipo H5N1 vem acendendo um alerta para a humanidade. Além de causar mortes de animais, o vírus impacta a agricultura, o comércio de alimentos, e aumenta o risco do desenvolvimento de novas mutações capazes de se espalhar entre pessoas. Esta é a conclusão de um relatório recente feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e com a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH).
Levando isso em conta, as entidades discutem a necessidade de se aumentar a vigilância genômica em diferentes países – com e sem focos da doença – a fim de evitar o pior: que surja uma variante capaz de infectar e ser transmitida entre humanos e com isso causar uma pandemia.
Na eventualidade de a doença se tornar de fato um problema de saúde pública generalizado, o Butantan já iniciou o processo de desenvolvimento de uma possível vacina contra a gripe aviária em humanos. No momento, os testes estão sendo realizados com cepas vacinais cedidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e já há três lotes pilotos prontos.
Segundo o relatório da OMS, os vírus da gripe aviária normalmente se espalham entre as aves, mas o número crescente de detecções de H5N1 entre mamíferos – que são biologicamente mais próximos dos humanos do que as aves – levanta a preocupação de que ele possa se adaptar para infectar humanos mais facilmente.
“Alguns mamíferos podem atuar como recipientes de mistura para os vírus influenza, levando ao surgimento de novos vírus que podem ser mais prejudiciais para animais e humanos”, aponta o relatório.
O alerta, por si só, indica que o vírus já está em mutação, pois deixou de atingir somente aves.
“Primeiro, as aves selvagens, que não ficavam doentes com a influenza aviária, começaram a adoecer, o que indica que o vírus está diferente. Outro ponto que chama atenção é que houve mortes de mamíferos. Uma vez que acomete mamíferos, pode ser que o vírus esteja mais próximo do ser humano, pois ambos têm os mesmos receptores”, explica a diretora do Laboratório de Virologia do Instituto Butantan, Viviane Botosso.
Mas como os atuais casos em humanos, diferentemente dos animais, são considerados esporádicos, isso tende caracterizar a situação como não emergencial. Pelo menos por enquanto.
“Geralmente a pessoa com gripe aviária teve contato próximo com uma ave doente, de forma que o vírus conseguiu infectá-la. O vírus da influenza aviária como é conhecido hoje não estaria adaptado à infecção de seres humanos, pois os receptores presentes no trato respiratório de humanos não são próprios para a ligação de vírus aviários, o que impede a transmissão de pessoa para pessoa”, explica Viviane.
Em 2022, 67 países em cinco continentes relataram surtos de gripe aviária H5N1 de alta patogenicidade em aves domésticas e selvagens, com mais de 131 milhões de aves domésticas perdidas devido à morte ou abate, segundo a WOAH. Em 2023, outros 14 países relataram surtos, principalmente nas Américas, à medida que a doença continua se espalhando. Vários eventos de morte em massa de aves selvagens causados por vírus influenza A (H5N1) foram relatados no mesmo período.
Já entre humanos, os casos são bem mais raros. Desde dezembro de 2021, foram detectados 12 casos de gripe aviária A (H5N1) em humanos no mundo, oito leves ou assintomáticos e quatro graves.
As infecções em humanos, porém, podem causar doenças graves com alta taxa de mortalidade. Os casos humanos detectados até agora estão principalmente ligados ao contato próximo com aves infectadas e ambientes contaminados.

Situação preocupante
Dez países em três continentes relataram surtos em mamíferos desde 2022, e os casos do tipo vêm aumentando recentemente. Mamíferos terrestres e marinhos foram afetados, incluindo surtos em visons de criação na Espanha, focas nos Estados Unidos e leões marinhos no Peru e no Chile, com pelo menos 26 espécies infectadas.
Os vírus H5N1 também foram detectados em animais domésticos, como cães e gatos em vários países, com recentes detecções de H5N1 em gatos anunciadas pelas autoridades da Polônia.
A própria OMS descreve a situação como “preocupante e que exige maior vigilância em populações animais e humanas, maior conhecimento sobre os efeitos dos subtipos do vírus e planejamento para pandemias”.
“Devido à natureza em constante evolução dos vírus influenza, a OMS continua a enfatizar a importância da vigilância global para detectar e monitorar alterações virológicas, epidemiológicas e clínicas associadas a vírus influenza emergentes ou circulantes que podem afetar a saúde humana (ou animal) e o compartilhamento oportuno de vírus para avaliação de risco”, descreveu a organização em seu relatório mais recente.

Brasil e demais países
No Brasil, desde maio de 2023 foram descobertos pelo menos 69 focos de gripe aviária do subtipo H5N1, 67 deles em aves silvestres e dois em aves de subsistência. A maioria dos casos ocorreu em cidades do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Bahia e Santa Catarina. Contudo, o Brasil não registrou gripe aviária em aves comerciais. Este índice mantém o país na lista de nações livres de influenza aviária H5N1 de alta patogenicidade (IAAP) para o comércio, segundo o mapa de indicadores do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Em maio, a pasta declarou estado de emergência zoossanitária em todo o território nacional dias depois de aparecerem os primeiros casos. O país não registrou casos em humanos até então.
Em 2023, ao menos quatro casos de influenza aviária A subtipo H5N1, considerado o mais letal, foram detectados em diferentes países. Os primeiros casos notificados na América Latina foram os de um homem de 56 anos no Chile e de uma criança de 9 anos no Equador, que apresentou quadro bastante grave.
Um pai e uma filha de 11 anos foram infectados com a influenza A (H5N1) no Camboja – esta última, morta pela doença. “Não se comprovou transmissão direta entre o pai e filha ou por animais externos no Camboja. O que sabemos é que vivemos atualmente uma pan-epizootia, que seria algo equivalente a uma pandemia entre animais”, diz Viviane. Também foram detectados três infectados com a cepa influenza A subtipo H3N8 na China, entre elas uma mulher de 56 anos que também morreu.
Governos da Bolívia, Argentina e Uruguai decretaram emergência sanitária após detecção do vírus em granjas e monitoram possíveis casos em humanos, sobretudo em áreas rurais.

Alta letalidade em humanos
O principal motivo de preocupação de uma pandemia é porque o subtipo que vem afetando humanos, o H5N1, é considerado altamente patogênico (HPAI, na sigla em inglês) e bastante letal. Das 873 pessoas infectadas pelo vírus influenza A subtipo H5N1 entre 2003 e 2023, 457 morreram, representando uma taxa de 53% de letalidade, ou mais da metade de pessoas mortas, de acordo com a OMS.
“Devido à alta letalidade em humanos, as consequências de uma transmissão eficaz, sem nenhuma medida de intervenção, podem ser catastróficas”, afirma a virologista do Butantan.
Os primeiros casos de gripe aviária causada pelo vírus H5N1 em seres humanos foram relatados em 1997 em Hong Kong. A primeira onda de casos da doença em pessoas ocorreu em 2003 na China, se espalhando para outros países asiáticos e, em 2005, uma nova onda se propagou para países africanos, do Oriente Médio e da Europa, fazendo surgir outros subtipos de H5N1. Entre 2014 e 2016 foram detectados os vírus H5N6 e H5N8 em galinhas e aves selvagens pela primeira vez na América do Norte, se tornando predominantes em 2020, com mais de 70 infecções humanas por H5N6 e sete infecções humanas por H5N8 relatadas em 2022.
Em 2021, um novo vírus H5N1 pertencente ao clado 2.3.4.4b se tornou predominante na Ásia, África, Europa e Oriente Médio e foi detectado em aves selvagens no Canadá e nos Estados Unidos. Em fevereiro de 2022, o vírus começou a causar surtos em aves selvagens e domésticas nos Estados Unidos, provocando a morte de mais de 50 milhões de aves. Tamanha expansão do vírus em aves selvagens e domésticas nunca tinha sido vista e preocupa as autoridades sanitárias.
“Quanto mais animais doentes, maior o risco de manipulação humana de animais e maior a chance de o vírus circular entre humanos e, porventura, infectá-los. Por isso, os países trabalham no monitoramento de aves e em planos de contingenciamento de pandemias, que envolvem o isolamento de granjas e possíveis locais contaminados”, finaliza Viviane Botosso.

Anselmo Brombal
Anselmo Brombalhttps://jornaldacidade.digital
Anselmo Brombal é jornalista do Jornal da Cidade
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