domingo, 24 novembro, 2024
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Kennedy: nos 60 anos do assassinato, EUA acendem alerta para violência política

Em 22 de novembro de 1963, o presidente americano John F. Kennedy foi assassinado em Dallas, no Texas – um evento que chocou os Estados Unidos e o mundo. Sessenta anos depois, a sociedade americana se vê mais uma vez diante de uma escalada da violência, originada sobretudo na extrema direita, mas também com adesão na extrema esquerda, e que reflete o fortalecimento da crença de que uma derrota política pode significar uma ameaça fatal.
De 2019 a 2021, 995 pessoas foram acusadas de cometer um crime extremista motivados por uma ideologia, segundo levantamento do Consórcio Nacional para o Estudo de Terrorismo e Respostas ao Terrorismo (Pirus, na sigla em inglês), mantido pelo Departamento de Segurança Nacional e a Universidade de Maryland.
Segundo a ferramenta, que rastreia esses dados desde 1970, quase 90% dos acusados em 2021 eram filiados à extrema direita, o maior percentual já registrado em toda a série histórica, reflexo em parte do ataque ao Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump.
A onda atual de radicalização começou em 2016, catalisada pela retórica de Trump em sua primeira disputa pela Presidência, e agravada pela pandemia de Covid-19, afirmam analistas. Suas origens, no entanto, são mais fundas, relacionadas a uma percepção por certos grupos, sobretudo brancos conservadores, de perda de espaço na sociedade e de ameaça ao seu estilo de vida – medos potencializados por redes sociais e teorias da conspiração.
Nesse cenário, o recurso à violência é visto como justificável, tanto porque uma derrota política é vista como uma ameaça vital, quanto porque o “outro lado” deixa de ser um adversário e vira um inimigo. Essa tendência é predominante na extrema direita, mas não é exclusiva. Atos de violência por indivíduos de esquerda também foram registrados, como a tentativa de assassinato do prefeito de Louisville, o democrata Craig Greenberg, por um militante, em fevereiro do ano passado.
Pesquisa de opinião feita pelo Projeto sobre Seguranças e Ameaças, da Universidade de Chicago (Cpost, na sigla em inglês), mostra um percentual relevante de democratas que veem o uso da força como justificável para barrar a volta de Trump à presidência, defender o direito ao voto da população negra e o direito ao aborto a nível federal – neste último caso, percentual que vem crescendo desde a mudança de entendimento da Suprema Corte, no ano passado.
Na direção contrária, o número de americanos que concordam com o uso da violência para restaurar o ex-presidente na Casa Branca voltou a crescer entre abril e junho deste ano, após a primeira acusação criminal apresentada contra o empresário. Segundo o Cpost, esse número alcançou os 18 milhões, um aumento de 6 milhões em dois meses atribuído ao processo na Justiça.
“As normas do que é aceitável em termos de discurso político se desgastam um pouco”, afirma o cientista político Jonathan Hanson, da Universidade de Michigan. “Nos anos 1960, a violência política nunca chegou ao nível do questionamento constitucional, como o que vimos no 6 de Janeiro”, compara.
Hanson vê a onda atual como a imagem oposta do que ocorreu nos anos 1960 e 1970, quando movimentos de esquerda em defesa de grupos minoritários muitas vezes recorreram à violência ou foram alvo de repressão violenta pelo Estado, como nos protestos contra a Guerra no Vietnã e os de Stonewall.
“O que estamos vendo após a eleição de Trump é uma tentativa, de certa forma, de reagir a isso”, diz Hanson, lembrando que o empresário sucedeu o primeiro presidente negro na Casa Branca, Barack Obama, sob a bandeira de construir um muro para impedir a entrada de imigrantes. Outra diferença da violência atual para a das décadas anteriores é o perfil dos criminosos. De acordo com o Pirus, se nos anos 1970 e 1980 apenas 30% deles agiam sozinhos ou eram membros de pequenos grupos, desde 2010 esse percentual ultrapassou os 70%.
Na extrema direita, perpetradores de violência tendem a ser mais velhos, têm pouca formação acadêmica, taxas mais elevadas de experiência militar e histórico prévio de atos de violência comum antes da radicalização. Já os de extrema esquerda tendem a ser jovens e têm uma probabilidade maior de serem mulheres do que homens, em comparação com outros perfis. Uma hipótese levantada para a pesquisa para essa mudança são as mídias sociais, que aceleram o processo de radicalização de indivíduos.
Em 2007, menos de 20% dos acusados de violência extremista mapeados pela ferramenta tinham praticado algum ato violento no período de um ano depois de entrarem em contato com uma ideologia extremista pela primeira vez. Já em 2021, esse percentual chegava a quase 50%. Segundo a pesquisadora Rachel Kleinfeld, integrante da Força-Tarefa Nacional para Crises Eleitorais, o sistema eleitoral americano intensifica essa radicalização.
“Na extrema esquerda, sentimentos violentos estão emergindo do mesmo sendo de ameaça ao grupo, mas em sentido inverso: aqueles mais dispostos a desumanizar a direita são aqueles que se veem como defendendo as minorias raciais”, diz Kleinfeld, em artigo no Journal of Democracy. Desânimo de eleitores negros com Biden preocupa democratas.
O eleitorado negro, fundamental para a vitória de Joe Biden em 2020, está bem menos entusiasmado com o democrata. A um ano das eleições, pesquisas alertam para um comparecimento menor às urnas, e até um encolhimento da vantagem do presidente sobre seu provável adversário, Donald Trump.
Afro-americanos são, historicamente, o grupo que mais apoia o Partido Democrata, e a falta desses votos pode fazer a diferença nas urnas. Pesquisa realizada pela Siena College em parceria com o jornal The New York Times nos seis estados cruciais para o resultado do pleito mostra que, enquanto 58% dos eleitores brancos afirmam ser quase certo que irão votar na eleição presidencial do próximo ano, esse percentual cai para 44% entre negros.
O levantamento fortalece o alerta disparado pela eleição de meio de mandato, realizada no final do ano passado, que mostrou uma queda de dez pontos no comparecimento de eleitores negros às urnas em comparação com 2018, de acordo com análise do jornal “The Washington Post” – a maior queda observada em todos os grupos raciais.
Quando questionados sobre a intenção de voto, 22% dos eleitores negros afirmam que pretendem votar em Trump. O percentual é baixo, quando comparado aos 71% que pretendem votar em Biden, mas nunca foi tão alto para um republicano em mais de 50 anos. O valor também é maior do que os 8% de votos desse eleitorado recebidos pelo empresário em 2020 em todo o país.
Uma das hipóteses para a mudança é a desaprovação da gestão da economia pelo governo atual. Embora já tenha cedido bastante, a inflação disparou no mandato de Biden. Outro problema é o acesso à moradia, diante do encarecimento do crédito, o que afeta sobretudo minorias sociais.
Vincent Hutchings, professor de ciência política da Universidade de Michigan especializado em política afro-americana, acrescenta ainda uma terceira hipótese: a frustração com o governo Biden diante das altas expectativas que a população negra tinha com uma gestão democrata após os protestos massivos de 2020 que eclodiram com o assassinato de George Floyd.
“A desigualdade que afro-americanos sofrem em temas como mortalidade infantil e materna, homicídio, expectativa de vida, renda e acesso à propriedade é abismal. Nos últimos 60 anos em que o Partido Democrata obteve cerca de 90% do voto negro, essas coisas não mudaram. A questão não é se os negros vão votar em 2024, mas por que eles sempre foram votar em um partido que não resolveu esses problemas?”, questiona.

Anselmo Brombal
Anselmo Brombalhttps://jornaldacidade.digital
Anselmo Brombal é jornalista do Jornal da Cidade
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