Anselmo Brombal – Jornalista
Se você não conhece, apresento-lhe Roland Freisler, o mais fanático juiz do nazismo durante os anos 1930/1940. Em 1934, Hitler resolveu criar outro tribunal, que viria a ser mais importante da Corte Suprema, o STF alemão da época – o Tribunal Popular. E nesse tribunal, absolvição era coisa rara. Comuns eram as condenações à morte, pelos mais diversos motivos.
Roland Freisler confundia as funções de acusação e de julgamento. Brutal e sarcástico, Freisler era menos um juiz do que um jurista do partido ao qual servia. Crítico de qualquer concepção jurídica liberal, Freisler insistia na inafastabilidade dos conceitos de Povo, Jurista e Direito; o Direito, na concepção de Freisler, deveria substancializar o espírito do nacional-socialismo (Den Geist des Nationalsozialismus).
Já está notando alguma coincidência?
Freisler estudou Direito em Viena, advogou em Kassel e entrou para o Partido Nazista em 1924; em 1932 foi designado representante dos nazistas na legislatura prussiana, em 1934 passou a secretariar o ministro da Justiça no combate a sabotagem, bem como participou de uma comissão para reforma do Código Penal Alemão. Em 1942 participou da conferência de Wansee, ocasião na qual os nazistas discutiram o que reputavam como a “solução final do problema judaico”. Por essa razão, não se pode afirmar que Freisler desconhecia os fatos que ocorriam nos campos de concentração.
Freisler morreu no tribunal, presidindo uma sessão de julgamento por traição, em 3 de fevereiro de 1945, quando uma bomba jogada pelos aliados atingiu o edifício no qual funcionava o tribunal. Ambicioso, Freisler não pretendia consolidar o Tribunal do Povo, no qual trabalhava, como uma instituição jurídica paralela ao sistema judiciário germânico; seu objetivo era que o tribunal se tornasse a Suprema Corte Alemã. Com essa finalidade, Freisler lutou para expandir o núcleo de competências do tribunal, firme na convicção de que todo desvio comportamental punível pelo direito nazista consistia exatamente em delito contra o “Führer” e, consequentemente, contra a Alemanha.
Notou outra coincidência?
Freisler notabilizou-se definitivamente em episódio da história alemã conhecido como Operação Valquíria, que consistiu num plano militar para o assassinato de Hitler. Foi nesse julgamento que Roland Freisler esbravejou, agrediu verbalmente os envolvidos, fanaticamente gritando que o “Führer” e o povo alemão formavam uma só pessoa, e que os acusados faltaram com a lealdade para com toda a nação alemã.
Os conspiradores foram presos e julgados pelo Tribunal do Povo. Freisler conduziu todas as sessões. Focou no crime, não permitindo que os acusados fizessem declarações, negando que as razões justificadoras da conspiração fossem apresentadas. As motivações foram abafadas, o que estava em discussão era a tentativa de assassinato de Hitler, como um ato de traição. Hitler pretendia um julgamento sensacionalista, com ampla cobertura jornalística, objetivando um máximo de impacto no povo alemão. Os conspiradores, no entanto, eram militares, o que exigia uma corte marcial. Esta se reuniu e imediatamente expulsou os militares do Exército, justificando-se a competência do tribunal, cuja jurisdição era civil.
Por ordens de Goebbels o julgamento foi filmado; três microfones foram colocados junto a Freisler, que, não acostumado com o aparelho, gritava com estridência, o que ampliou o histrionismo de sua pessoa. Freisler teve vários acessos de raiva ao longo das sessões. Ao se aproximar para ser interrogado, Erwin von Witzleben fez a saudação nazista. O juiz reagiu, dizendo que se estivesse no lugar do acusado não faria a saudação alemã. Esta, segundo Freisler, somente poderia ser usada por pessoas de honra; gritando, disse a Witzleben que este deveria se sentir envergonhado do gesto.
Os réus foram executados no mesmo dia da proclamação da sentença de condenação, ao longo da própria audiência; foram enforcados com fios bem finos, de cordas de pianos, e em seguida foram pendurados em ganchos de açougue.
Roland Freisler é exemplo de um Judiciário absolutamente dependente do poder, durante um estado de exceção, no qual o julgador também é acusador. O processo penal tornou-se uma farsa. Todo o procedimento não passava de uma encenação. Todos os protagonistas desta pantomina sabiam onde tudo terminaria.
Coincidência, não é?
Fico por aqui. Cada um tire sua conclusão e descubra quem é o Freisler atual. Só pra lembrar: Freisler era careca e arrogante.