Anselmo Brombal – Jornalista Acabei me rendendo ao modernismo. Isso mesmo. Fui a uma sessão de regressão, aquela coisa de descobrir suas vidas passadas. Muita gente que faz isso era rei, rainha, nobre – nunca plebeu. Meu caso foi diferente. Descobri que milênios atrás eu vivi no Egito e era um papirista (jornalista que escreve em papiros). Dentre as lembranças, uma carta que escrevi ao dono de um reinado próximo, Nabucodonosor. Nabuco gostava de plantas, tanto que construiu os jardins suspensos da Babilônia. Mas isso é outra história. A carta: “Caro Nabuco, Certamente sua majestade conhece nosso faraó, Lulankamon, que é casado com Janjólatra, neta de Cleópatra. Lulankamon está passando das medidas. É muita mentira contada, o que está deixando os deuses irados e prometendo castigos. Por sinal, apareceu no palácio, dia desses, um tal de Moisés que falou um monte para o faraó. Agora Lulankamon cismou de construir algumas pirâmides. O chefe do Tesouro real já avisou que isso custa uma fortuna, já embutidas as propinas que serão pagas aos construtores, que depois devolverão o ouro ao faraó. Eu não posso publicar essas falcatruas nos papiros. Lulankamon é protegido pelo nosso STF, o Supremo Templo Fodástico. Todo mundo está comprado. Para agradar, o faraó até deu uma cidade a um ministro. A cidade se chama Alexandria. Uma outra cidade cá do Egito é Menfis, onde nasceu o Mensalão. É tanta roubalheira, majestade, que já está faltando trigo. E sem o trigo, não temos pão nem macarrão. Nosso povo está morrendo à míngua. Lulankamon viaja muito. Foi para a Núbia, para a Assíria, para a Mesopotâmia e para a Pérsia. Só para passear. Levou consigo uma comitiva enorme, e todos acomodados em confortáveis bigas. Até sua mulher, Janjólatra, foi passear. Passear e gastar. Na Núbia, comprou sedas. E muitos da comitiva, todos do grupo do faraó, o Partido de Tebas, acharam que na Núbia nasciam os nubentes. Janjólatra gasta por conta do papiro corporativo, e depois ostenta riqueza nas redes de hieroglifos do Cairo. A presidente do Partido de Tebas se acha antropomórfica. Uma das ministras do faraó, Aniele Frankstein, disse que as cheias do rio Nilo são consequência do racismo climático. O Partido de Tebas deu nome a um mar – Mar Vermelho. Justificou que era para ficar marcado na história. Não há risco de golpe. O general Tutamés pensou ser faraó um dia, mas recebeu um cala-boca de Lulankamon e ficou na dele. A gastança não para por aí. Janjólatra mandou construir um palácio em Luxor e uma esfinge em Gizé. E colocou sua face sagrada na esfinge. Sem óculos. O alicerce da primeira pirâmide já está pronto. Agora os engenheiros do faraó estão estudando como levar as pedras até o Vale dos Reis. Mas de uma coisa nosso povo não pode reclamar. Temos o SUE – Sistema Único de Espera, para cuidar das gripes e resfriados. Temos o Vale Família – mixaria, mas é alguma coisa. E quem está preso recebe também o Papiro-Reclusão, além do direito de ter visitas íntimas nas masmorras. Nossos médicos e cientistas pesquisaram e descobriram uma maneira de conservar nossos corpos após a morte. É a mumificação. E nossas múmias, afirma o faraó, serão estudadas pelos arqueólogos do futuro. O desejo do povo, porém é outra. Que comecem a mumificação pelo faraó. De preferência, vivo. Um abraço, Nabuco. E dê lembranças a Marduque e Hamurábi. E quando eu visitá-lo vou levar uma mudinha para seus jardins. Mudinha de Pau-Brasil. Você pode não gostar da planta, mas Janjólatra, pelo jeito, adora. Até.”