O Brasil registrou uma taxa inédita de queimadas no 1º quadrimestre de 2024, com 17.182 focos contabilizados, de acordo com cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número é o maior para o período janeiro-abril desde 2003. Além de todo o problema que uma situação dessa causa ao meio ambiente, ao ar que todos respiram e à própria beleza natural, existe um outro grave problema, em alguns casos sem precedentes: a perda de vidas de animais silvestres e o prejuízo para o equilíbrio da fauna regional.
O fogo, além de devastar biomas, mata centenas de animais. Quando isso não acontece, esses são resgatados em situações bastante vulnerável. Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), os animais mais comuns de serem resgatados durante queimadas, incluindo mamíferos, são: capivaras, tatus, gambás, cachorros do mato, onças, gatos do mato, raposinhas do campo, lobo guará, primatas e pequenos roedores. “E diversas são as espécies de aves, incluindo corujas, gaviões, e aves de pequeno porte. E répteis e anfíbios, como serpentes, lagartos e rãs”, explica a médica veterinária e docente do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Max Planck, professora Fernanda Battistella Passos Nunes, que é especialista em animais silvestres.
Um outro ponto de alerta é a exposição e vulnerabilidade desses animais: os mamíferos são frequentemente encontrados em áreas de mata ciliar e podem ser particularmente vulneráveis a queimadas devido a área de locomoção mais limitada, devido seu habitat. Muitas aves que nidificam – ou seja, formam ninhos – no solo ou têm filhotes podem ser propensas a esse tipo de situação. “Já os répteis e anfíbios, que são mais lentos e não possuem capacidade de se esconderem, são altamente suscetíveis a queimadas”, afirma a professora.
As queimadas são frequentemente detectadas pela Defesa Civil ou policiamento militar ambiental, que incluem também o Corpo de Bombeiros. Normalmente ficam sabendo por denúncias de moradores ou até mesmo via satélite, por monitoramento ambiental.
Nessas ações, são os brigadistas especializados em controle de incêndios florestais normalmente os primeiros a chegar ao local. Depois são mobilizadas as equipes de resgate de fauna, muitas vezes compostas por biólogos e veterinários. Sobre a retirada dos animais, é importante que as equipes sempre utilizem equipamentos de proteção individual (EPI) e ferramentas específicas para capturar e transportar os animais. “O uso de gaiolas, redes e pinças de captura é comum para garantir a segurança dos animais e da equipe do resgate”, revela Fernanda.
Existe um treinamento em Primeiros Socorros para Animais, em que os brigadistas e equipe de resgate receber aulas específicas para lidar com animais feridos, incluindo técnicas de manuseio seguro e administração de cuidados emergenciais. Com isso, tem ainda o uso de equipamentos de proteção contra queimaduras, uso de máscaras para evitar inalação de fumaça e kits de primeiros socorros veterinários, considerados essenciais.
Animais resgatados e os cuidados com a saúde
Todos os animais resgatados devem ser transferidos imediatamente para o CETRAS (Centro de Triagem e Reabilitação) mais próximo, onde passam por uma avaliação completa de saúde e recebem os primeiros cuidados. Inicialmente, os médicos veterinários fazem uma avaliação completa, verificando o grau de acometimento de feridas e queimaduras, inalação de fumaça, estado de hidratação e outros traumas como atropelamentos.
“Faz-se uso de analgésicos e anti-inflamatórios, aplicação de pomadas específicas para lesões como queimaduras, caso haja a necessidade de debridamento de áreas necróticas, dependo do tempo de exposição e tempo de espera do resgate, utiliza-se bandagens e até mesmo o uso de pele de tilápia para reconstrução do tecido”, ensina a médica veterinária.
Em caso de queimaduras severas, estas que causam necrose de tecido ou o tempo de exposição e de espera do resgate, podem interferir neste quadro de necessidade de debridamento da ferida para remoção dos tecidos necrosados, com isso a necessidade de cirurgia. “Alguns animais durante a fuga das áreas de queimadas, acabam colidindo com veículos e passam por procedimentos ortopédicos cirúrgicos. Muitas vezes as cirurgias reparadoras de órgãos ou amputações são necessárias para salvar a vida deste animal”, salienta.
Cuidados diários após o resgate
Durante a recuperação e reabilitação, todo cuidado, com uma alimentação adequada e balanceada para a espécie que vivia em vida livre. Com isso, é feito um monitoramento constante dos sinais vitais e progresso da cicatrização. Além do enriquecimento ambiental para reduzir o estresse e promover comportamentos naturais da espécie.
O tempo de recuperação depende exclusivamente da gravidade dos ferimentos e da espécie acometida. “E pode variar de semanas a meses, dependo da extensão e gravidade dos ferimentos”, diz a professora.
Retorno à natureza
Antes de serem soltos, os animais passam por uma avaliação para garantir que estão em condições de sobreviver sozinhos. Ou seja, muitos deles são reabilitados novamente. O tratamento realizado para estes animais não visa a promoção da humanização dos mesmos, mas sim levando-os a um manejo de tratamento, administração de fármacos especializado para evitar a manutenção permanente destes animais sob cuidados humanos. “O tratamento e manejo devem ser provisórios, resgatando sua individualidade e promovendo o bem-estar animal e o comportamento natural desta espécie para retorno ao seu ambiente”, explica.
Assim, o resgate e a reabilitação de animais oriundos de situações de queimadas são processos que exigem uma devida coordenação entre várias equipes que devem ser treinadas e especializadas para efetuar um cuidado minucioso garantindo uma boa recuperação e o bem-estar dos animais de vida livre. “É um trabalho essencial para a conservação da fauna nativa e mitigar os impactos das queimadas no nosso ecossistema, protegendo assim o nosso bioma”, garante Fernanda Battistella Passos Nunes, especialista em animais silvestres.