O Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) realiza sua tradicional campanha de doação de órgãos para conscientizar a população sobre a importância desse gesto que pode salvar vidas. Atualmente, 64 mil brasileiros aguardam por um transplante de órgãos, muitos deles em situações críticas, mas a falta de informação e o medo ainda são grandes barreiras que impedem que mais pessoas se tornem doadoras.
Débora Terrabuio, hepatologista do HC e coordenadora da campanha, ressaltou que um estudo recente entrevistou quase 2 mil pessoas para entender os motivos que levam à baixa adesão à doação de órgãos. “Só 67% das pessoas queriam ser doadores. E, para piorar a situação, desses que queriam doar, só metade tinha avisado a família, que autoriza mesmo a doação no momento em que a pessoa entra em morte encefálica e teria as condições para doar”, explica.
Motivos da recusa
Entre as principais razões que levam as pessoas a recusarem a doação, conforme a médica, estão o medo da mutilação do corpo, crenças religiosas e a ideia equivocada de que condições de saúde impedem a doação, além da vontade de evitar pensamentos sobre a morte. A especialista fez questão de desmistificar esses pontos, explicando que o corpo do doador é tratado com respeito e cuidado durante o processo.
“O corpo não é mutilado, é uma cirurgia feita na pessoa que está doando, é como se a pessoa tivesse uma cicatriz de uma cirurgia. Mesmo naquelas pessoas que doam os olhos é colocado um globo no lugar para a pessoa não parecer mutilada. Então é feito todo um cuidado para que a pessoa possa ter o aspecto normal depois da doação, para que possa ser velada até em caixão aberto”, assegura.
Outro ponto destacado pela médica é que, ao contrário do que muitos pensam, a maioria das religiões é favorável à doação de órgãos e, mesmo quando não há uma posição oficial, não existe uma proibição. Além disso, é a equipe médica que avalia as condições de saúde do possível doador, e doenças pré-existentes nem sempre são impeditivas: “Todo mundo pode ser doador. É claro que algumas doenças infectocontagiosas podem ser contraindicações, mas quem avalia isso é a equipe médica”.
Doação no Brasil
O Brasil enfrenta um déficit preocupante de doações, especialmente de órgãos como rins e fígado, que são os mais demandados. Muitos pacientes que aguardam transplante enfrentam longos períodos de sofrimento, como os que precisam de hemodiálise ou os que vivem com cirrose hepática. “As pessoas têm que pensar no benefício que elas vão promover na vida das outras pessoas que estão precisando. Muitos desses pacientes morrem durante a espera para transplante e, quando eles transplantam, passam a ter uma vida normal. Então nós temos que pensar: ‘Quando eu falecer, eu posso deixar os meus órgãos serem metabolizados por bactérias ou eu posso doar para alguém, que vai fazer toda uma diferença na vida dessa pessoa, na vida dos familiares dessa pessoa’. Doar é um ato de amor”, complementa.
Débora reforçou ainda a importância de comunicar o desejo de doar para a família, já que, mesmo que a pessoa tenha deixado sua vontade registrada em documentos como o RG, a decisão final ainda depende dos familiares — e, por ser um momento difícil para a família, na maioria das vezes pega de surpresa, o pedido é recusado. Ela também traz a esperança de que, futuramente, a autorização eletrônica possa facilitar esse processo, mas, até lá, o diálogo com a família é a única maneira de garantir que o desejo de doar seja respeitado.