Um novo estudo da Universidade de Illinois revelou que o vírus Herpes simplex tipo 1 (HSV-1), conhecido principalmente por causar aftas e lesões labiais, pode afetar o cérebro diretamente quando contraído pela via nasal. A investigação, publicada na revista científica mBio, demonstrou que a infeção pode levar a danos neurológicos duradouros, incluindo déficits cognitivos, ansiedade e problemas motores.
O estudo também identificou a enzima heparanase como um fator determinante para os danos cerebrais provocados pelo vírus. Bloquear a atividade desta enzima reduziu significativamente os impactos neurológicos da infeção em modelos animais, apontando para um possível alvo terapêutico.
Para entender melhor as implicações científicas e neurológicas desta descoberta, Fabiano de Abreu Agrela, pós-PhD em Neurociências pela Califórnia University e membro da Society for Neuroscience nos Estados Unidos, explica o problema.
Vírus do herpes e o sistema nervoso: um risco subestimado
O HSV-1 já era conhecido por sua capacidade de atingir o sistema nervoso, podendo causar complicações graves, como encefalite e cegueira. No entanto, a nova pesquisa destaca que a infeção pelo nariz permite que o vírus tenha um acesso mais direto ao cérebro, intensificando os danos.
“O sistema olfativo é uma das principais portas de entrada para agentes virais no sistema nervoso central. A mucosa nasal está próxima de estruturas cerebrais fundamentais, como o bulbo olfativo, que se conecta a diversas áreas envolvidas na memória e nas emoções”, explica Fabiano de Abreu Agrela.
Ele destaca que essa via de entrada pode ser mais perigosa do que se pensava, pois permite que o vírus bypass os mecanismos de defesa naturais, atingindo o cérebro rapidamente.
Danos neurológicos e alterações comportamentais
Os testes em modelos animais mostraram que, mesmo meses após a infeção, havia sinais claros de inflamação e disfunção neuronal. Os animais infetados tiveram pior desempenho em testes de memória e coordenação motora, além de apresentarem comportamentos associados à ansiedade.
“A neuroinflamação é uma resposta do organismo à presença do vírus no cérebro. No entanto, quando essa resposta é prolongada, pode causar danos permanentes aos neurônios e alterar funções cognitivas e emocionais”, afirma o neurocientista.
Ele acrescenta que as evidências sugerem que algumas doenças neurológicas podem ter uma relação com infeções virais crónicas. “Estudos já mostraram que infeções virais podem estar ligadas a doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson. Se o HSV-1 pode causar alterações cognitivas a longo prazo, é possível que tenha um papel no desenvolvimento dessas patologias.”
O papel da heparanase e possíveis tratamentos
Uma das descobertas mais relevantes do estudo foi a relação entre o vírus e a enzima heparanase. O HSV-1 parece usar essa enzima para intensificar a inflamação e os danos neurológicos.
“A heparanase está envolvida na degradação da matriz extracelular, facilitando a migração do vírus e das células inflamatórias para o cérebro. O bloqueio dessa enzima reduziu significativamente os danos, o que sugere que pode ser um alvo terapêutico para minimizar os efeitos da infeção”, explica Fabiano.
O neurocientista enfatiza que, com o HSV-1 presente em cerca de dois terços da população mundial, a descoberta tem um impacto global: “Compreender como esse vírus interage com o sistema nervoso é essencial para desenvolver estratégias de prevenção e tratamento que possam minimizar seus efeitos a longo prazo.”
Conclusão: Um alerta para a saúde pública
Dado o número de pessoas que carregam o HSV-1 de forma assintomática, o estudo reforça a necessidade de mais investigações sobre os efeitos neurológicos do vírus. A descoberta da relação com a heparanase abre portas para novas abordagens terapêuticas que possam reduzir os impactos da infeção.
“Ainda há muito a ser estudado, mas os dados indicam que não devemos subestimar as infeções virais como possíveis gatilhos para doenças neurológicas”, conclui Fabiano de Abreu Agrela.
Este estudo reforça a importância da prevenção, diagnóstico precoce e desenvolvimento de terapias que possam proteger o cérebro contra danos inflamatórios e infecciosos, garantindo melhor qualidade de vida para milhões de pessoas em todo o mundo.