domingo, 24 novembro, 2024
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Horário de verão foi adotado pela 1ª vez há mais de 100 anos

Era uma vez um construtor de classe média que morava no subúrbio de Chislehurst, no sudeste de Londres. Seu nome era William Willett (1856-1915). E, não fosse por ele, os britânicos – e um quarto do planeta, incluindo os Estados Unidos – talvez nunca tivessem adotado o horário de verão.
Willett adorava espaços ao ar livre. Ele andava a cavalo em uma manhã de verão em 1905, quando observou que muitas cortinas permaneciam fechadas, evitando que a luz do sol entrasse nas casas. Ele teve então uma ideia: por que não adiantar os relógios antes do início do verão?
Willett não foi o primeiro a idealizar essa medida. Civilizações antigas já reduziam e aumentavam a duração dos dias, dependendo da estação. Na Roma Antiga, por exemplo, uma hora poderia durar 44 minutos no inverno e 75, no verão.
Em 1895, o entomólogo neozelandês George Hunter propôs uma mudança de duas horas, mas sua ideia foi ridicularizada. E, seis anos depois, em 1901, o rei britânico Eduardo 7º (1841-1910) atrasou os relógios em 30 minutos em Sandringham, no Reino Unido (onde fica uma das residências reais), para poder passar mais tempo caçando. Mas coube a Willett fazer com que o horário de verão fosse finalmente adotado.
Em 1907, ele publicou um panfleto independente intitulado Waste of Daylight (“Desperdício da Luz do Dia”, em tradução livre), defendendo que os relógios fossem adiantados no Reino Unido quatro vezes em abril, em 20 minutos a cada vez, retornando da mesma forma ao horário normal em setembro.
Willett defendia que, além de aumentar as oportunidades de lazer, a medida reduziria os gastos com iluminação. Seus apoiadores incluíam políticos importantes – entre eles, dois futuros primeiros-ministros britânicos: David Lloyd George (1863-1945) e um jovem chamado Winston Churchill (1874-1965), na época presidente da Câmara de Comércio.
O criador de Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle (1859-1930), também manifestou seu apoio durante as discussões do projeto de lei do horário de verão, embora ele desaprovasse os incômodos ajustes parciais de Willett. “Uma única alteração de uma hora seria um número redondo e causaria menos confusão”, afirmou Conan Doyle ao comitê que examinava a proposta.
Entre os seus oponentes, estava o então primeiro-ministro Herbert Asquith (1852-1928). O projeto de lei acabou rejeitado em 1909 por uma pequena margem e as propostas apresentadas posteriormente tiveram o mesmo destino.
Mexer com o tempo, aparentemente, era uma mudança radical demais para a época, mesmo com um governo liberal de caráter reformista. Mas Willett era incansável e continuou a defender ardentemente o horário de verão no Reino Unido, na Europa continental e nas Américas, até sua morte por influenza, em 1915.
Apenas um ano depois da morte de Willett, uma versão revisada da sua proposta foi finalmente aceita, impulsionada pela circunstância mais extenuante de todas: a guerra. Dois anos após o início da Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido sofria séria escassez de carvão, a principal fonte de energia para as indústrias e residências do país.
“Além do aumento da demanda para abastecer a Marinha, as ferrovias e a indústria armamentista, o Reino Unido precisava fornecer carvão para os aliados, cujas minas foram tomadas pela Alemanha, sem falar nos milhares de mineiros que se apresentaram como voluntários para a guerra”, conta o professor de história David Stevenson, da London School of Economics. As ideias de Willett prometiam um alívio, com noites mais longas e menos demanda de iluminação a carvão.
A Alemanha aprovou a lei do horário de verão no dia 30 de abril de 1916 e o Reino Unido adotou a mesma medida logo em seguida, em 17 de maio. Esse tipo de imitação era comum, segundo Stevenson. “O Reino Unido vinha tomando ideias emprestadas da Alemanha há muito tempo”, explica o professor. “Muitos políticos e intelectuais britânicos eram fascinados pelo país, como um exemplo de eficiência nacional superior.”
Segundo a nova lei, os relógios seriam adiantados em uma hora à frente do horário de Greenwich (GMT, na sigla em inglês), durante o horário de verão britânico. Vários outros países europeus acompanharam rapidamente a medida, além dos Estados Unidos (que criaram a famosa expressão “adiantar na primavera, retroceder no outono”), Uruguai, Nova Zelândia, Chile e Cuba.
O Reino Unido vivenciou alterações ocasionais do horário de verão ao longo do século 20. Durante a Segunda Guerra Mundial, o país adiantou os relógios em duas horas em relação ao horário GMT. Era o chamado Horário de Verão Duplo, para reduzir ainda mais os custos das indústrias.
Entre 1968 e 1971, o país experimentou o Horário Padrão Britânico, avançando os relógios em uma hora o ano inteiro. Mas o teste ficou marcado pelas crianças que precisavam usar braçadeiras fluorescentes nas escuras manhãs de inverno e a medida acabou sendo profundamente impopular.
Desde então, sucessivas propostas no Parlamento têm questionado o horário de verão – e não só no Reino Unido. Medidas similares são constantemente criadas, alteradas, questionadas ou descartadas em várias partes do mundo.
No Brasil, o horário de verão foi adotado pela primeira vez em 1931, mas sua prática era irregular. A partir de 1985, os relógios passaram a ser adiantados em uma hora todos os anos, até o cancelamento do horário de verão no país, em 2019.
Por que o horário de verão é um tema tão controverso? Basicamente, os prós nunca superaram convincentemente os contras. Para cada argumento inegável em favor do horário de verão, sempre existe um evidente fator contrário.
Resumidamente, o horário de verão favorece principalmente o comércio, os esportes e o turismo, mas prejudica a agricultura e os carteiros que trabalham de manhã. Ninguém conhece melhor esse debate do que David Prerau, autor do livro Seize the Daylight (“Aproveite a luz do dia”, em tradução livre).
“De forma geral, acredita-se que o horário de verão reduza o uso de energia, os acidentes de trânsito e os crimes em ambientes abertos, além de trazer melhor qualidade de vida”, afirma ele. “Mas, entre os pontos negativos, estão as manhãs escuras – um problema especialmente para as crianças em idade escolar e os agricultores – e o efeito de jet lag sobre os padrões de sono.”
Um recente estudo médico finlandês chegou a relacionar o horário de verão à ocorrência de AVCs, responsabilizando a interrupção dos ritmos circadianos do corpo.
As alterações no relógio também costumam ser um instrumento político. Durante as comemorações dos 70 anos de independência da península coreana, em agosto de 2015, a Coreia do Norte atrasou seus relógios em 30 minutos, voltando ao fuso horário que utilizava antes da ocupação japonesa.
A agência de notícias estatal declarou que o objetivo era “arrancar o legado do período colonial japonês”. A medida foi cancelada em 2018, para eliminar a diferença de horário criada em relação à Coreia do Sul.
Um quarto da população mundial de 7,4 bilhões de habitantes adota o horário de verão. Prerau não tem dúvidas sobre quem merece o crédito da adoção dessa medida. “A aprovação de leis estabelecendo o horário de verão veio diretamente dos esforços de William Willett”, afirma ele.
Quando se observa o túmulo simples de Willett no lado externo da pacata Igreja de São Nicolau, em Chislehurst, é difícil acreditar que ele continue mantendo sua influência global, tanto tempo depois de sua morte. No subúrbio, o legado de Willett está registrado em uma placa na sua antiga casa, no bar chamado The Daylight Inn, nas ruas com seu nome e em cartas, documentos e fotografias expostas no salão comunitário da Sociedade de Chislehurst.

Anselmo Brombal
Anselmo Brombalhttps://jornaldacidade.digital
Anselmo Brombal é jornalista do Jornal da Cidade
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