Não adiantou tradição, amor à causa, dedicação, sacrifícios – o Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, de Jundiaí, não resistiu à modernidade. Sua presidente, Adriana Zutini, divulgou nota oficial aos associados, informando a realização de uma assembléia para encerrar as atividades e o início de conversas para passar a gestão do Gabinete à Prefeitura de Jundiaí.
Há alguns anos esse fim era visto como inevitável. Sócios de menos, despesas de mais. Pode haver uma causa: com a chegada da internet e suas facilidades, o número de sócios foi diminuindo ao longo dos anos, e com isso, a entrada das mensalidades em caixa.
O prédio, na Praça Ruy Barbosa, é tombado pelo patrimônio histórico. Precisa de reforma, mas não é uma reforma qualquer. Há rígidos critérios a serem seguidos, e falta dinheiro para tal. Sua história:
No dia 28 de abril de 1908, Conrado Augusto Offa, João Xavier Dias da Costa, Benedito de Godoy Ferraz, Artur Basílio de Oliveira, Carlos Hummel Guimarães e Manoel Martins de Azevedo e outros 62 funcionários Companhia Paulista de Estradas de Ferro fundaram o Gabinete de Leitura de Jundiaí, em reunião localizada em um prédio na Rua do Rosário 153, no Centro de Jundiaí.
Em sua primeira publicação (junho/1908), o jornal “literário e noticioso” chamado “O Gabinete”, órgão oficial da entidade, os fundadores expõem os propósitos da sociedade. Expressa o desejo de “proporcionar aos habitantes de Jundiaí, não só com livros que possam aumentar a soma de conhecimentos que possuem como também um centro de agradável e proveitosa diversão” .
A composição social da cidade nesta época dividia-se entre uma recente comunidade de operários (muitos dos quais ferroviários) e imigrantes italianos que se dividiam entre a produção agrícola e um incipiente investimento no comércio. Uma pequena elite mantinha a administração municipal em suas mãos, desde antes da instalação da República.
Nesta mesma época o Gabinete de Leitura de Jundiaí já contava com uma biblioteca de 104 títulos (184 volumes). O mesmo jornal registra estatísticas interessantes: 75 obras foram requisitadas pelos sócios. Possuía 17 folhetos, assinava 3 jornais de fora e 2 jornais locais. A primeira diretoria era composta por Conrado Offa, Carlos Guimarães, Artur de Oliveira, Benedito de Godoy Ferraz, Manoel de Azevedo e Inácio Ventania.
A primeira sede da instituição foi em uma casa próxima ao antigo Cine Ipiranga (hoje Têxtil Fabril), na Rua Barão de Jundiaí. Depois de alguns anos a diretoria do Gabinete resolve transferir a sede para um outro local, onde hoje localiza-se o Edifício Rosário. Em seguida, a sede volta a ser na Rua Barão, desta vez em frente à praça Marechal Floriano Peixoto.
Em 1912 é extinto o Teatro São Luiz – o primeiro teatro da cidade -, localizado na Rua Barão de Jundiaí. Seu prédio iria servir de sede para a Associação Comercial. Dois anos após o prédio passa a ser a nova sede do Gabinete de Leitura, que vai crescendo cada vez mais e conta com muitos sócios. Transforma-se em um ponto de encontro da cidade.
Em 1922, novamente mudou de prédio, agora para a praça onde localizava-se a Igreja Nossa Senhora do Rosário, que ficava em frente ao antigo quartel, na Rua do Rosário. Em agosto do mesmo ano, a Câmara de Jundiaí promulga lei que estabelece que a Prefeitura Municipal “está autorizada a construir, na área do prolongamento da Rua do Rosário, mandada reservada pela Resolução no. 102 de 6 de julho de 1922, um prédio com as acomodações necessárias para o perfeito funcionamento do Gabinete de Leitura de Jundiaí”. O poder público dessa forma, toma a iniciativa de ajudar a entidade, que em seus poucos anos de vida já se tornara um ponto de referência cultural no município.
Por sugestão do prefeito da cidade, em 1923 – Olavo Guimarães – e da Câmara, é alterado o nome da instituição, que passa a se chamar Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, em homenagem ao político e jurista baiano falecido naquele ano. A praça localizada em frente ao Gabinete também passa a ter esta mesma denominação.
Em 5 de janeiro de 1924 foi inaugurado o novo prédio do Gabinete, à Rua Cândido Rodrigues 301. O poeta Francisco Pat, da Academia Brasileira de Letras, veio a Jundiaí, na ocasião, para fazer uma conferência sobre o tema “Não há mulheres feias”. No dia seguinte houve distribuição de balas e doces às crianças, completando a festa de inauguração.
Em 1951, através da Lei Municipal 114 de 31 de maio, de autoria do prefeito Vasco Antônio Venchiarutti, foi doado ao Gabinete um terreno vizinho à sede, para que se possa efetuar ampliação do prédio, que já tinha sua capacidade de espaço esgotada, em função do grande aumento do acervo de livros. Em 1963, o então prefeito Mário de Miranda Chaves, declarou o Gabinete uma entidade de utilidade pública.
Hoje, o Gabinete permanece no mesmo endereço, tendo sido efetuadas uma série de reformas por seus próprios meios, ampliando a área de biblioteca, leitura de periódicos, pesquisa e estudo, construído um anfiteatro com 62 lugares e sala de cursos, foram também adquiridos equipamentos audiovisuais.
A nota oficial
Queridos associados,
Nós da atual diretoria do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa temos orgulho por representar este espaço tão querido. O Gabinete marcou gerações por 115 anos, contribuindo com a cultura da cidade de Jundiaí e região. Não podemos deixar de falar das amizades, das lembranças, dos encontros, dos eventos, das horas de estudo, etc… ou mesmo dos momentos de lazer, quando sobrava um tempinho para ler revistas e jornais, na linda sala de leitura…
Lembranças fortes também há dos queridos funcionários que por aqui passaram, se tornaram amigos e sempre abraçaram o Gabinete com amor e dedicação; agradecemos imensamente às funcionárias que ainda resistem e que nos dão forças atualmente.
Entretanto, como é sabido, este é o pior momento desde sua fundação, pois os associados estão em número muito reduzido e a arrecadação não é suficiente para fazer frente às despesas mensais; tentamos tudo o que foi possível para manter nosso “querido” vivo, em seu formato atual, como associação privada, mas infelizmente não foi possível.
Diante disso, optamos pela demissão coletiva da Diretoria Executiva do Gabinete e encaminhamos ao Conselho de Administração que agendará a Assembleia Geral conforme Capítulo XI – artigo 47. Foram iniciadas as negociações de encerramento e passar a gestão para a Prefeitura de Jundiaí. A oficialização vai acontecer em janeiro de 2024. Por isso, a partir do dia 20 de dezembro de 2023 fecharemos as portas, por questões práticas e burocráticas, enquanto aguardamos a tramitação e finalização de todo o processo.
Por último, não podemos deixar de agradecer todos os associados, em especial aos que se mantiveram até hoje conosco. Também agradecemos a todos aqueles que desde a fundação do Gabinete, de forma direta ou indireta, contribuíram para a instituição, a manutenção e a longevidade deste espaço e de suas atividades. Nosso muito obrigado. Seremos eternamente gratos.
O Gabinete cumpriu sua missão institucional; agora desejamos e esperamos que a Administração Pública dê continuidade a ela. Portanto, mesmo em outro formato de gestão, esperamos que em breve possamos continuar a usufruir deste espaço tão maravilhoso e por muito mais tempo.
Desejamos a todos muita leitura e muita cultura.