Anselmo Brombal – Jornalista Como muita gente já sabe, gosto mais de ouvir rádio do que ver televisão. Pena que o rádio atual esteja avacalhado. Nem emissoras tradicionais se salvam, como a Jovem Pan. O rádio em ondas médias desapareceu – agora é tudo FM, com músicas indigestas e locutores que parecem falar com uma batata quente na boca. Enfim, cada um tem o penico que merece para ouvir essas coisas. Noite dessas resolvi ouvir a Voz do Brasil, um câncer que perdura há décadas, irradiada pela Empresa Brasileira de Comunicação, do Governo Federal. A abertura é um trecho da ópera O Guarani, de Carlos Gomes. Era. Hoje está totalmente desfigurado esse trecho, com um arranjo bem mequetréfe. Mas o melhor veio depois. Pensei ter me enganado, estar ouvindo a Voz da Suécia. Tudo lindo e maravilhoso. Pra quem não sabe, o noticiário da Voz do Brasil é dividido entre as notícias do governo, do Senado, da Câmara e do Judiciário. Quase chorei de emoção. Só notícia boa. O governo preocupado em melhorar as condições de vida; o presidente inaugurando até lombada eletrônica; projeções de crescimento; recorde de safras e exportações. Nas partes do Senado e da Câmara mais maravilhas. Senadores e deputados propondo projetos que tornam qualquer brasileiro europeu. Trechos de discursos pronunciados pelas vestais de nossa política. Todos – inclusive o Capitão Cueca, aquele que escondia dinheiro nos fundilhos – apresentados como estadistas e representantes do povo brasileiro. O noticiário do poder Judiciário acompanha a cantilena. Tive a impressão que os tribunais estão funcionando 24 horas, inclusive nos sábados, domingos e feriados. Finda da Voz do Brasil, desisti de me mudar para algum país europeu. O paraíso é aqui. Ou seria hospício? Imagino o trabalho dos redatores da Voz do Brasil para agradar toda a quadrilha. Para dosar o tempo para cada deputado ou senador, sem despertar ciumeira. Os que escrevem o noticiário do governo têm vida mais tranquila. Todo os dias o suposto presidente fala alguma besteira – é só escolher uma e colocar no ar. Ou será que isso passa por censura da Janja também? Essa palhaçada chamada Voz do Brasil foi criada em 1935 pelo então ditador Getúlio Vargas. Três anos depois passou a ser obrigatória sua transmissão por todas as emissoras brasileiras, sempre às sete da noite. Só em 2015 a Rádio Pinóquio deu um refresco, podendo ser retransmitida pelas emissoras entre 19 e 23 horas. A gente só está livre desse vômito radiofônico aos sábados e domingos. Começou chamando Programa Nacional; depois passou a ser Hora do Brasil, e agora é Voz do Brasil. Próxima mudança de nome: Voz da Suécia. Às vezes é melhor ser surdo.