A bacia hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – também chamada de “bacia PCJ” – estende-se por 76 municípios do Estado de São Paulo e atende a mais de 5,8 milhões de pessoas. Com uma área de drenagem superior a 14 mil quilômetros quadrados, suas águas são muito demandadas pela agricultura, pela indústria e pelo consumo da população. Em função disso, e no contexto da crise climática global, a bacia sofre atualmente com escassez hídrica. Mas esse não é o único nem o maior dos problemas: o grande conjunto de rios, riachos e córregos que compõem a bacia encontra-se também fortemente contaminado por efluentes agrícolas, industriais e domésticos.
As expressões visíveis dessa poluição já foram objeto de várias reportagens da mídia. Mas faltava um estudo em profundidade que identificasse as principais áreas contaminadas e a natureza dos contaminantes individuais e das misturas de contaminantes; que calculasse sua concentração, frequência e toxicidade; e que apontasse seus potenciais riscos para humanos e organismos aquáticos. Esse estudo foi feito agora por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e parceiros de outras instituições do país e do exterior.
“Além de contaminantes tradicionais, já bastante conhecidos e sujeitos à legislação, encontramos também contaminantes emergentes, ainda não legislados, que apresentam toxicidade em condições de exposição crônica. Nossa pesquisa forneceu o primeiro retrato da ocorrência de compostos do grupo dos PFAS em rios do Estado de São Paulo”, diz Cassiana Carolina Montagner, professora do Instituto de Química da Unicamp e coordenadora do estudo.
Os PFAS são um grupo com milhares de compostos químicos sintéticos, perfluoroalquilados, utilizados pela indústria em uma grande variedade de produtos com o objetivo de torná-los antiaderentes, impermeáveis e resistentes a manchas. A utilização mais conhecida ocorre nos utensílios antiaderentes recobertos por teflon.
Informe da United States Environmental Protection Agency (Usepa, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) lista vários problemas de saúde humana comprovadamente associados à exposição a PFAS. Entre eles, o aumento do risco de alguns tipos de câncer, incluindo de rim, próstata e testículo. “A ocorrência de sete PFAS em diferentes rios do Estado de São Paulo foi relatada pela primeira vez em nosso estudo”, afirma Montagner.
Mas isso não é tudo. “Detectamos também muitos outros contaminantes, compondo um total de 45. Os pesticidas agrícolas atrazina, carbendazim, tebutiurom e 2,4-D foram os que apresentaram a maior frequência de detecção, tendo sido encontrados em 100% das amostras coletadas. A mesma frequência, de 100%, foi detectada também para a cafeína e o bisfenol A [BPA], levados aos rios pelos esgotos domésticos”, acrescenta a pesquisadora.
Aqui é importante dizer que, embora bem tolerada pelos humanos, a cafeína pode ser bastante prejudicial para a biota aquática, como ressalta Montagner. Já o bisfenol A é uma substância química orgânica, o 2,2-bis(4-hidroxifenil) propano, utilizada na fabricação de polímeros e revestimentos de alto desempenho. Plásticos empregados em eletrodomésticos, computadores, brinquedos, talheres descartáveis, mamadeiras, revestimentos de latas de comida e bebida e resinas epóxi contêm BPA. Ele aparece também como componente do PVC maleável em papéis térmicos, como os extratos bancários e os comprovantes de pagamento liberados por caixas eletrônicos e máquinas para leitura de cartões.
Para avaliar a dimensão dos impactos causados por todos esses contaminantes, é preciso considerar que a região servida pela bacia PCJ é um importante polo agrícola e industrial e também a sede de cidades de grande porte. A área responde por 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Destaques são a produção de cana-de-açúcar no município de Piracicaba, a indústria têxtil no município de Americana e a grande concentração populacional no município de Campinas.
“Além de ser a principal fonte de água potável de toda a área, a bacia do PCJ fornece água para irrigação, que não recebe nenhum tratamento antes de ser utilizada nos campos agrícolas. Ao mesmo tempo, a região abriga muitas cidades pequenas que lançam esgoto quase in natura nos rios”, informa Montagner.
A pesquisadora enfatiza que contaminantes emergentes, como pesticidas, hormônios, produtos farmacêuticos, produtos químicos industriais e PFAS, estão sendo liberados na bacia do PCJ, sem que a atual legislação brasileira exija o seu monitoramento.
“Em nosso estudo, coletamos amostras em 15 pontos diferentes da bacia. E avaliamos os contaminantes presentes considerando três fatores: concentração, frequência e toxicidade. Além das altas frequências já mencionadas, obtivemos elevados quocientes de risco para os herbicidas diuron e atrazina, além do inseticida imidacloprido”, conta.
E conclui: “Além de velhos problemas de poluição não resolvidos, como a contaminação por coliformes fecais, por exemplo, há novos problemas agora causados pela presença dos contaminantes emergentes, que são produzidos para garantir a qualidade de vida moderna, mas chegam ao ambiente devido à má gestão dos resíduos sólidos e saneamento ineficiente. Nosso estudo sugere que é necessário estabelecer um programa de monitoramento abrangente para garantir a proteção da vida aquática e da saúde humana”.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou em nota que, atualmente, são feitas medições trimestrais em 519 pontos de amostragem, dos quais 91 estão distribuídos na bacia PCJ. Além de parâmetros tradicionais, como matéria orgânica, nutrientes, coliformes e metais, a Cetesb faz medições de agrotóxicos e de alguns compostos emergentes, quantificados indiretamente por meio de dois ensaios: um que mede atividade estrogênica, para a detecção de compostos do tipo interferentes endócrinos (que mimetizam os hormônios femininos, como o BPA); e outro que mensura a atividade de glicorticoides, para a detecção de medicamentos da classe dos anti-inflamatórios.
O texto afirma ainda que os agrotóxicos (42 diferentes ativos) são medidos pela Cetesb desde 2017, em trechos de rios localizados em bacias com uso do solo predominantemente agrícola.
“Na bacia hidrográfica do PCJ, os agrotóxicos são monitorados desde 2018 no trecho de cabeceira do rio Corumbataí […], município de Analândia, com cerca de 65% da área da bacia destinada ao uso agrícola. Os agrotóxicos mais frequentemente detectados nesse trecho do rio Corumbataí no período de 2018 a 2022 foram o inseticida imidacloprida [bastante frequente também nas amostras analisadas na Unicamp] e o herbicida tebutiurom [este encontrado em 100% das amostras do estudo]. As concentrações de imidacloprida estiveram frequentemente acima do limite de ecotoxicidade crônico para invertebrados aquáticos da Usepa [Office of Pesticides Program, OPP], que é de 10 ng/L [nanograma por litro]. Nesse mesmo período, não foram detectados nesse trecho os agrotóxicos 2,4 D e atrazina [ambos detectados em 100% das amostras analisadas na Unicamp], que são contemplados com padrões de qualidade para a proteção da vida aquática pela Resolução Federal [Resolução Conama n.o357/2005].”
Por último, a Cetesb informa que não há valores legislados para a atividade estrogênica e os glicocorticoides. “Os resultados desses dois ensaios, obtidos ao longo dos últimos cinco anos na bacia hidrográfica do PCJ, indicaram valores, em ambos os ensaios, considerados baixos ou de baixa relevância, com base nos estudos já realizados e na experiência internacional.”
Estudo traça perfil dos poluentes encontrados na Bacia PCJ
RELATED ARTICLES