domingo, 6 outubro, 2024
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O mundo cão é real

Anselmo Brombal – Jornalista

Estamos acostumados a viver com algum conforto, dentro de nossas casas, no convívio com amigos. Frequentamos lugares aceitáveis, com disciplina e educação. Tomamos atitudes que entendemos serem coerentes. E, na maioria das vezes, não ficamos sabendo o que se passa ao nosso redor. Às vezes distante, às vezes perto demais.
Na semana passada resolvi dar uma boa olhada nos programas que mostram esse outro lado. O mundo cão. Nâo faltaram opções. Em busca de audiência (se bem que nem tão qualificada), as emissoras de TV estão apostando na desgraça, no crime, na desavença. A Record exibe o Cidade Alerta. Só crimes. O SBT está se fartando com isso. Exibe o Primeiro Impacto e agora o Hora de Ação, que antes estava na Rede TV. E a Bandeirantes continua com José Luiz Datena, que aos berros chama as matérias, atropela repórteres e faz suas críticas. O povo gosta.
Mas é um mundo diferente o mostrado nesses programas. Mulher que contrata gente para matar o marido e ficar com o amante. E com a herança do marido. É tráfico de drogas em todas as cidades, forradas de biqueiras. São assaltos e mais assaltos, em todas as horas do dia. São estupros e estelionatos. Tudo narrado com mínimos e escabrosos detalhes. E fatos ilustrados com imagens. Dos autores, das vítimas e dos policiais.
Cracolândia, no Centro da Capital, é assunto diário. Polícia Militar e GCM estão todos os dias nas ruas do centro paulistano. Mas é como enxugar gelo. Algo totalmente diferente de tempos passados – e nem tão passados assim – quando esse tipo de noticiário, feito no rádio, tinha apenas dois protagonistas: Gil Gomes e Afanasio Jazadji. Com bem menos crimes, bem menos selvageria.
Nas décadas de 1960 e 1970 (parte delas), o assunto era o Esquadrão da Morte. O esquadrão era formado por um grupo de policiais que fazia justiça por conta. Tirava criminosos das cadeias e executava-os, deixando sua marca – a caveira. Em alguns casos, os cadáveres (conhecidos como presuntos) ostentavam cartazes do tipo “Eu não assalto mais”, ou “Eu não estupro mais”. Achávamos isso chocante. Nada se comparado à situação atual.
E isso, diz quem entende do assunto, é fruto da impunidade. Das leis frouxas que só beneficiam a bandidagem. De juízes que passam a mão na cabeça de criminosos. Do sistema penal, que solta o presidiário depois de cumprir parte da pena – quando é condenado – sob a justificativa de bom comportamento. Do sistema que permite que assassinos saiam da cadeia para passar algumas datas, como Dia das Mâes, Natal, Páscoa, com seus familiares. Sair, todos saem. Poucos voltam.
O sistema permite ainda que presos por crimes bárbaros recebam visita íntima de suas mulheres ou namoradas. Um motel de total segurança, bancado por quem paga impostos. O sistema paga mais de 1.700 reais por mês por filho menor de preso à família. Mais que um salário mínimo. O mesmo sistema fecha os olhos para alguns privilégios da cadeia, ilegais, como celular. Bastaria eliminar as tomadas elétricas que o celular ficaria sem recarga. Mas é difícil.
Tudo isso incentiva a prática de crimes. E a cada dia o número aumenta. Só nos daremos conta desse mundo paralelo quando ele estiver muito perto de nós. Quando nossa casa for assaltada. Quando nosso carro for roubado para a prática de outros crimes. Aí então concluiremos que o mundo cão é real.
Quer conferir? Dá uma olhada nesses programas e você vai entender. E se pensar um pouquinho, também vai achar alguns culpados. A propósito, quem poderia produzir leis mais rigorosas, modificar todo esse sistema, são os deputados federais e senadores. Poderia.
Mas eles estão dormindo usando os altos salários e mordomias como travesseiro. E você pagando.

Anselmo Brombal
Anselmo Brombalhttps://jornaldacidade.digital
Anselmo Brombal é jornalista do Jornal da Cidade
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