terça-feira, 18 março, 2025
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Juventude sem graça

Anselmo Brombal – Jornalista

Observando o comportamento das pessoas, dá para notar que muitos – mas muitos mesmo – dos jovens de hoje parecem levar uma vida enfadonha. Escravos do telefone celular, indo na onda de “influencers”, esqueceram da alegria e das maldades típicas da idade. Maldades que não machucavam, não ofendiam. Só irritavam.
Os tempos mudaram, novos hábitos foram acrescentados à vida, mas antes era mais divertido. Tão divertido que ainda desperta saudade. Nos anos 1970 e parte de 1980, eram comuns as brincadeiras dançantes. Numa garagem qualquer, ao som da vitrola, com disco de vinil. Preparava-se o ponche servido depois generosamente. Os que podiam se davam ao luxo de servir Cuba Libre – Coca-Cola, Run Merino, gelo e fatias de limão. Nem existia cerveja em lata.
Os que já tinham carro se reuniam num bar de moda. Era o ponto de encontro para depois partir para novas aventuras, como bailes e shows (mais raros). Hoje chamariam esses lugares de points. Em alguns clubes, era proibido entrar de calça jeans (na época chamadas de calça rancheira) e de tênis. O traje era obrigatório: calça e camisa sociais e sapato preto bem engraxado. Mulheres, vestidos ou pantalonas. E sempre com salto alto. E isso só no fim de semana.
Brincadeiras maldosas não faltavam. A preferida era colocar sal de fruta nos açucareiros de bares. E coitado daquele que pedia café – o café espumava e a xícara transbordava. Nem existia adoçante na época. E quando apareceu o adoçante, levava-se o mesmo ao banheiro, esvaziava-o e enchia de água para retornar ao balcão.
Havia um bar na Vila Arens que era vítima de tudo. Bar e Restaurante Avenida. Ficava na Cavalcanti, esquina com a Monteiro Lobato. Frequentado por gente de todos os cantos, principalmente por funcionários da antiga Argos Industrial. Quatro pessoas eram seus donos: Joaquim, Cebolinha, Augusto e Augustão. Os três primeiros eram portugueses, e o último cunhado de um deles.
Era comum colocar etiquetas de preços na vitrine de vidro. Preços bem abaixo da realidade. Assim, uma coxinha (não haviam inventado ainda a coxinha de queijo, que não é coxinha) que custaria três reais era anunciada na etiqueta colocada por frequentadores por um real. Na hora que o cliente ia pagar, só confusão, sempre bem resolvida.
A geladeira de sorvete Kibon tinha rodinhas, ficava longe do balcão, e era comum ser “roubada” e levada para a rua. A meta aí era irritar os portugueses. E durante algum tempo foram chamados por números: 9, 10, 11 e 12. Atendiam, até se tocarem que esses números eram do burro no jogo do bicho.
A obra prima com a portuguesada foi quando um grupo de frequentadores se cotizou e publicou anúncio num jornal local, vendendo o bar. E o anúncio propunha qualquer negócio – trocas com terrenos em lugares desvalorizados, carro velho, bicicletas… O telefone do bar para contato também foi anunciado.
Publicado num sábado, o anúncio infernizou a vida dos portugueses, que procuraram a Polícia. Não deu em nada. Satisfeito com o resultado, esse mesmo grupo resolveu publicar outro anúncio no sábado seguinte: Bar e Restaurante Avenida – Agora sob nova direção. Neste sábado, os primeiros 20 clientes ganham feijoada de graça. Houve fila, e às 10h30 os donos fecharam o bar. Não havia como atender tanta gente interessada na feijoada grátis.
Anúncios do tipo eram comuns quando se queria zoar alguém. Aluguel de charrete em época de romaria era um deles. Doação de filhotes de gato siamês era outro. Um conhecido funcionário de um banco, chato de galocha, foi vítima de um desses anúncios. Anunciaram num domingo a doação dos filhotes de siamês. Às sete horas da manhã já tinha gente batendo na porta da casa do infeliz. E quase deu briga quando um senhor, com o filho de uns seis ou sete anos, foi lá para buscar o filhote.
Bem, muitos dos que participaram dessas aventuras e brincadeiras já morreram. Outros estão reclusos pela idade e pela saúde. Quando se encontram, não há como fugir da conversa sobre isso.
Continuo vivo e disposto. E garanto que qualquer hora ainda vou colocar sal de fruta em algum açucareiro. Molecagem não tem idade. Tem espírito.

Anselmo Brombal
Anselmo Brombalhttps://jornaldacidade.digital
Anselmo Brombal é jornalista do Jornal da Cidade
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