Uma nova versão de Emmanuelle, desta vez em inglês e estrelada pela francesa Noémie Merlant, acaba de ser lançada na França. Este filme, dirigido por Audrey Diwan, ganhadora do Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza pelo drama sobre aborto O Acontecimento, explora a sexualidade feminina no estilo de 2024.
Se as aventuras sexuais de Emmanuelle precisam ser recontadas, pode ser porque o original de 1974 parece muito ultrapassado agora. Dirigido pelo francês Just Jaeckin e estrelado pela atriz holandesa Sylvia Kristel, no papel de Emmanuelle, o filme (baseado em um romance homônimo de 1967) acompanha a esposa de um diplomata francês, de 19 anos, em uma visita à Tailândia.
Todos os moradores, sejam tailandeses ou estrangeiros, parecem prontos para fazer sexo a qualquer momento. Filmada com um foco suave e onírico, Emmanuelle tem relações com homens e mulheres em uma variedade de locais, incluindo no avião, embora nem todas essas experiências sejam consensuais. Ela é estuprada em um antro de ópio, mas logo depois tem relações sexuais com um homem que a “ganhou” durante uma luta.
“Não posso dizer que seja um filme brilhante, de fato”, disse Sylvia Kristel sobre a produção, em uma entrevista ao jornal britânico The Telegraph em 2007.
Na época, muitos críticos concordaram com ela, mas o filme foi um sucesso de bilheteria, vendendo quase nove milhões de ingressos apenas na França, embora tenha sido inicialmente proibido até que um novo governo fosse eleito em 1974. O filme também foi um sucesso nos Estados Unidos, em grande parte da Europa e no Japão.
Houve várias continuações e spin-offs na década de 1970, e Kristel estrelou algumas destas produções. “O filme, segundo ela, se tornou como um monumento em Paris. Os turistas japoneses eram colocados no ônibus e depois levados à Torre Eiffel, ao Arco do Triunfo e para ver Emmanuelle”. Um cinema, o Triomphe, na Avenida Champs-Élysées, exibiu o filme continuamente até 1986.
A razão pela qual um filme de soft porn se tornaria uma atração francesa se deve ao momento oportuno, de acordo com Eve Jackson, editora de cultura e apresentadora do Arts 24 no canal de notícias France 24.
“Foi o primeiro filme desse tipo em francês, e um dos primeiros filmes franceses a se tornarem um fenômeno global”, disse ela. “Também foi lançado em um momento em que os temas da época eram ‘amor livre’ e liberação sexual. A pílula anticoncepcional estava amplamente disponível e, um ano depois, o aborto foi legalizado na França.”
“O Último Tango em Paris, que também tem cenas de sexo explícito, havia sido um sucesso na França dois anos antes, mas acredito que o dobro de pessoas foi ver Emmanuelle na primeira semana. O filme quebrou tabus, mostrando masturbação, múltiplos parceiros sexuais, sexo com pessoas desconhecidas, mas ao mesmo tempo foi mainstream, porque o tamanho do público mostrou que havia desejo por esse tipo de filme. Ele abriu um diálogo sobre como a sexualidade poderia ser mostrada no cinema. Está longe de ser uma obra-prima, mas se tornou um sucesso cult, e o cartaz do filme em si era icônico. Podia ser visto por toda Paris na década de 1970.”
Nos Estados Unidos, Emmanuelle foi comercializado como um tipo de filme pornô “com mais classe” para assistir — como arte erótica — com o slogan “X nunca foi assim”, diferenciando-o de outros filmes adultos com a classificação X (não adequado para menores de idade). Ele também foi considerado por alguns fãs, especialmente no Japão, como um filme feminista, de acordo com Kristel: “Eles achavam que Emmanuelle era dominadora, só por causa de uma cena em que ela sobe em cima do marido. Este foi o momento em que todas as mulheres japonesas se levantaram e aplaudiram.”
No entanto, muitos concordariam agora que o filme não resistiu à passagem do tempo, a começar pela representação dos tailandeses como servos anônimos, lutadores e estupradores, até a questão do consentimento sexual. Jackson descreve o filme original como “extremamente problemático”.
“A personagem é um objeto sexual, a maioria de seus parceiros são homens mais velhos dominadores que estão orquestrando o prazer dela para si mesmos”, observa.
“Há momentos, não apenas para Emmanuelle, em que o consentimento não é óbvio. Perto do final do filme, há uma cena horrível de estupro coletivo.”
“O consentimento sexual é um tema muito importante na França atualmente, e não apenas por causa do movimento #MeToo”, acrescenta Jackson.
“Temos o julgamento do estupro de Gisèle Pelicot em andamento, que está nas manchetes do mundo todo. Portanto, (o filme) Emmanuelle parece equivocado em vários níveis. Em 1974, a personagem pode ter sido vista como precursora de uma era de amor livre e aventura sexual, e deu à França uma reputação por isso, mas o filme não era feminista. Foi escrito e dirigido por homens.”
Com o tempo, o fenômeno Emmanuelle desapareceu até mesmo na França, e poucos jovens assistiram ao original: na estreia mundial do novo filme, Noémie Merlant confessou que não tinha visto a versão de 1974 até ganhar o papel.
Mas ainda há um grande interesse de que uma diretora francesa volte seu olhar para o tema, mesmo que a versão de Audrey Diwan tenha recebido uma reação fraca da crítica em sua estreia mundial no Festival de Cinema de San Sebastian.
A Emmanuelle de Merlant está na faixa dos 30 anos e faz uma viagem a Hong Kong para inspecionar um hotel de luxo, onde Naomi Watts interpreta a gerente. Durante a visita, Emmanuelle redescobre seu próprio desejo e prazer na vida, por meio de um relacionamento com uma garota de programa (Chacha Huang) que lê O Morro dos Ventos Uivantes e com um engenheiro interpretado por Will Sharpe, da série The White Lotus.
O público contemporâneo — que cresceu com o erotismo sendo tão convencional que não é considerado ultrajante (até mesmo Cinquenta Tons de Cinza tem quase 15 anos) e que pode ter acesso a pornografia em seus celulares — representa um desafio de direção diferente do de 1974.
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