segunda-feira, 20 maio, 2024
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Meu dia de feirante

Anselmo Brombal – Jornalista

Inspirado em antigas reportagens e alguns documentários, resolvi passar por uma experiência diferente. Fugir da rotina da minha profissão e do marasmo da terceira idade. Fui trabalhar numa feira-livre. Mais precisamente numa barraca de frutas, verduras e legumes. Foi cansativo, mas divertido.
Me apresentei para trabalhar (havia combinado com o dono da barraca dias antes) às cinco da manhã, ainda escuro. Com ele e dois empregados, ajudei terminar de montar a barraca e dispor a mercadoria. Primeiro os pés da banca, depois o teto, de madeira, e lona. Não é fácil. Tudo tem de estar bem arrumado, bonito. Até seis horas terminamos tudo e apareceram os primeiros fregueses. Isso mesmo – na feira não são clientes. São fregueses.
Atendi o primeiro, um senhor de seus 70 e poucos anos. Puxei conversa e aí foi uma ladainha e tanto – só reclamação de sua aposentadoria. Falou mal de todos os governos e disse que se fosse mais jovem jogava uma bomba em Brasília. Dei corda, e a conversa durou uns 20 minutos. Esse senhor pagou sua conta em dinheiro, reclamando dos preços.
Perguntei ao “patrão” se era difícil arrumar funcionário. Outra série de reclamações. Os mais novos não gostam de levantar cedo; a molecada não sabe fazer troco, trabalha dois três dias e cai fora. Um de seus empregados está com ele há dez anos. Petista roxo, Resolvi provocar.
Depois da cantilena conhecida (Lula é inocente, o caso da Dilma foi golpe), confessou que tem um fetiche. Disse que gostaria de passar uma noite com a presidente do PT, a deputada Gleise Hoffmann. Um noite de nheco-nheco. Respondi que preferia a Julia Roberts. E ele não a conhecia, nem tinha visto o mais conhecido de seus filmes, Uma Linda Mulher.
A maioria dos fregueses paga com cartão, mas o “patrão” sempre leva troco. E lá pelas oito apareceu uma senhora robusta, digamos. Calculei seu peso em arroba – umas dez arrobas. Brincando. Tagarela e alegre, atendi. Ela disse que só queria frutas, pois precisava emagrecer um pouco. Um pouco, bem entendido. E passou a escolher. Mamão Formosa, abacaxi Pérola, laranja, maçã, pêssego e banana. Me arrisquei e fiz um elogio à força de vontade daquele mastodonte.
Foi então que ela disse que iria fazer uma salada de frutas. “Pica tudo, coloca numa tijela grande e depois vai uma caixinha de leite condensado”. Belo regime… Vieram outros fregueses – a maioria vem com sacola, alguns com carrinhos, outros compram pouca coisa e levam na sacolinhá de plástico fornecida pela barraca.
Depois das dez, o movimento cai barbaridade. Cai nas barracas de frutas. A do pastel e caldo de cana bomba. Com pouco movimento, ficamos conversando. O “patrão” afirmou que o povo não sabe escolher fruta e que desperdiça muita coisa. Deu exemplos do melão (precisa apertar sua extremidade com o dedo – se estiver macia, está maduro), do limão e da laranja (casca lisa tem mais caldo, independentemente da cor). O desperdício, disse ele, é grande. Falou da beterraba, cuja folhagem é dispensada pela maioria. “Dá um refogado saboroso”, ensinou.
Lá pelas onze, começamos a juntar algumas caixas e colocá-las no caminhão. Já havíamos tomado quase cinco litros de água e duas garrafas térmicas, das grandes, de café. E enquanto arrumávamos as coisas, conversamos sobre futebol. O “patrão” é santista; seus dois empregados, corintianos; eu eu palmeirense. Logo veio a velhia história: o Palmeiras não tem mundial. Foi meia hora de discussão.
Pouco antes do meio dia começamos a desmontar tudo. Há uma técnica para acomodar a barraca e as caixas de frutas no caminhão-baú. “Se não colocar desse jeito vai sobrar coisa”, explicou. Em vinte minutos ele se acomodou na cabine com seus dois empregados. Pagou o meu dia de trabalho e disse para voltar sempre que quisesse. Agradeci pela experiência.
Vida de feirante não é fácil. Precisa acordar cedo, arrumar tudo e ir à batalha. Chovendo, fazendo frio ou calor. À tarde, compra suas mercadorias. Quase não descansa. Em casa sempre tem alguma coisa para arrumar, consertar…Tem mulher e filhos? Precisa de um tempo para eles. Ouve reclamações sobre preços e qualidade dos produtos. No próximo ano, o “patrão” deverá se aposentar. E o que vai fazer da vida? Continuar na feira.
E eu fui para casa moído, cansado, podre. Não me saiu da cabeça a lembrança daquela senhora robusta, a caminho de suas onze arrobas…

Anselmo Brombal
Anselmo Brombalhttps://jornaldacidade.digital
Anselmo Brombal é jornalista do Jornal da Cidade
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